sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Até que a morte os separe (creepy thing)


Eu nunca pensei muito sobre casamento.

Eu tive uma educação curiosa, ao mesmo tempo em que foi extremamente machista, parte desse machismo incluiu o não incentivo a minha feminilidade. Meus pais sempre me desincentivaram a usar saia e maquiagem, eu nunca aprendi a andar de salto e não tive muita convivência com crianças. Eu sempre fui proibida de namorar e casar era uma ideia que, durante muito tempo, eu simplesmente rejeitava. Coisinhas românticas ainda é algo que me traz muito mais rolar de olhos impacientes do que suspiros.

Com o tempo e, principalmente, depois que eu saí da casa dos meus pais, tudo isso mudou. Ultimamente eu tenho pensado muito sobre ter filhos e eu tenho um medo absurdo disso (mas não é meu foco nesse post). E, ainda que eu não tenha namorado ou pretendente ou sequer um amigo próximo para a fazer a promessa clássica de que, se ainda estivermos solteiros aos 40, vamos nos casar, eu ainda assim ando pensando muito sobre casamento.

Ter ido em duas festas de casamento no último mês e ter mais duas esse ano para ir talvez seja um dos motivos que me levam a isso. Coisas românticas têm me deixado menos irritada e mais com aquele gostinho de querer um pouco disso também - eu culpo um pouco fanfiction por isso, com todas aquelas histórias cheias de angst e pouco conto de fadas em que a felicidade tem gosto meio amargo no fim, mas ainda é feliz, o que faz cada gesto valioso. 

Ainda assim, eu não tenho muitos exemplos de casais felizes fora da ficção. Claro, eu conheço pessoas que estão casadas para sempre, mas eu sei muito pouco do dia a dia delas para acreditar que isso possa ser um felizes para sempre também. Meus pais são um exemplo do quanto isso pode ser enganoso. Pelo meu convívio com eles, eu sei que o casamento em si praticamente não existe mais em muitos aspectos além do simplesmente conviver - e sequer há companheirismo nessa convivência. E, no entanto, eles ainda são os conselheiros matrimoniais de muitos dos meus primos porque são considerados um casal que deu certo por simplesmente não terem se separado.

Eu decidi que eu simplesmente preciso mais do que isso. Principalmente porque, morando sozinha há nove anos, eu estou definitivamente sentindo falta de alguém para dividir aspectos da minha vida que não podem ser supridos por família ou amigos - eu sinto falta de um companheiro. E, apesar dessa necessidade crescente, eu não sei exatamente o que esperar dessa pessoa, e o fato de que eu nunca tive um relacionamento que durasse mais do que uma noite não ajuda em nada em criar expectativas quando eu tento me visualizar, entre o que eu quero e o que eu conseguiria administrar, em um casamento.

Eu tenho três histórias de amor na ficção que me inspiraram a deixar esse desejo por casar crescer. A primeira é a de Severus Snape e Lily Evans em Harry Potter. É um casal que não aconteceu. É a história de um amor eterno e idealizado que termina em tragédia e uma dor amarga para sempre. Mas o que em fascina nessa história é a persistência da ideia da pessoa amada, o quanto saber que o outro está vivo e bem ou que seu legado está preservado em sua memória pode ser simplesmente forte o suficiente para manter toda uma leva de admiração, contemplação e querer vivos. É o amar sem a necessidade de ser amado de volta, o que, apesar de triste e incompleto, é forte. E, como eu considero que a base para o amor é o reconhecimento do outro, a admiração por cada gesto, por cada atitude, por cada detalhe, essa história de amor é muito significativa para mim.

Esse reconhecimento é também a base que me faz admirar minha segunda história: a de Spencer Reid e Maeve em Criminal Minds. Outra história que não acontece. Outra história triste e trágica. Eles se apaixonam por afinidade intelectual, sem se conhecer, sem se ver, sem se tocar, e é um amor tão grande que ele está disposto a se sacrificar e sacrificar tudo o que eles construiram pela vida dela no final. E, ironicamente, é essa disposição dele que causa a morte dela, o fato de que ele a ama completa e intensamente. Novamente, eu percebo o grande grau de idealização que existe aí, mas também essa capacidade de ver e admirar o outro e, nesse caso, se permitir ser visto e admirado da mesma forma. E o sentimento criado a partir desse reconhecimento é tão forte que não se dissipa, nunca. Eu sou creepy e essa é a ideia do para sempre de que eu mais gosto, ok?

O "para sempre" também está presente na minha terceira história de uma forma quase latente: Rory Willians e Amelia Pond em Doctor Who. É engraçado porque, com uma história de amor não linear e montada a partir de viagens pelo tempo e pelo espaço, essa noção de "para sempre" é, ao mesmo tempo, paralela à história dele e perdida no seu desenvolvimento. Eles se conhecem desde... sempre, mas é a filha dos dois, que voltou no tempo e cresceu como amiga dos pais, que faz com que eles se percebam como casal. Eles se casam com desconfiança e muitos poréns, eles têm uma filha sem nenhum planejamento e sem a realização de família imediata, eles vivem juntos, eles convivem, eles estão casados entre a aventura e o dia a dia, eles se irritam um com o outro, brigam e se separam, eles esperam eternamente um pelo outro, eles abrem mão do outro em prol de uma felicidade que só é alcançada quando estão juntos. Eles abrem mão de tudo para ficarem juntos.

Não é um conto de fadas, não é uma tragédia idealizada para mostrar a eternidade do amor, é ficção, mas é uma ficção tão absurdamente verossímil nas nuances do casamento que é aquilo que, talvez, eu olhe e mais deseje para a minha vida: alguém que simplesmente queira ficar comigo, não importa o que aconteça, porque eu quero ficar com ele e estamos melhor juntos. Essa noção de que um conhece o outro pelo que é, de que um reconhece e admira o outro em suas nuances mais íntimas, e ainda assim tudo o que deseja é estar junto com essa pessoa porque é isso que o faz feliz - esse eu acho que é o maior compromisso que o casamento pode significar. O estar ali para sempre, para a outra pessoa, porque é isso que faz a sua vida mais completa.

Eu não sei se isso é casamento como as pessoas casadas sabem que é ou não. Não sei se isso é romântico ou idealizado ou possível. Mas é o que eu quero e é o que eu vou buscar em uma pessoa para um dia, quem sabe, me casar.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Desabafo sobre jornalismo e manifestações



Eu preciso fazer um desabafo como jornalista.

Eu sou jornalista. Estudei durante 4 anos em uma boa universidade e eu aprendi a ser jornalista. Nunca exerci a profissão legalmente, nunca recebi um salário fixo pelo meu serviço como jornalista, mas já fiz diversos trabalhos em que o que aprendi na faculdade de jornalismo me foi útil. Além disso, o ser jornalista faz parte de quem eu sou, dos meus conceitos, minha forma de ver o mundo, de lidar com fatos e pessoas.

Mas eu nunca me senti jornalista.

Na semana em que eu defendia meu TCC para receber meu diploma, a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão caiu, e eu jamais esquecerei esse fato pelo quão significativo ele foi para mim. Eu entrei na faculdade porque eu queria, sim, fazer jornalismo, ser repórter, ser editora, lidar com fatos, levar informação, mas durante toda a minha trajetória na faculdade, eu tive uma crescente decepção pela profissão. Hoje eu associo essa decepção a dois fatores fundamentais: a arrogância do jornalista enquanto profissional e ao mau profissionalismo do jornalista.

Na faculdade, eu aprendi a fazer jornalismo, o bom jornalismo, o jornalismo de qualidade e comprometido com sua ética e sua fundamentação enquanto profissão. Mas aprendi também que eu nunca seria capaz de exercer isso por diversos conflitos de poderes socioeconômicos, e isso não é uma realidade exclusivamente brasileira. Ver isso no dia a dia antes mesmo de me tornar profissional fez com que eu não quisesse ser jornalista, mesmo tendo o diploma que me engaja na profissão.

Eu fiz mestrado e me formei profissionalmente como professora e pesquisadora. No dia da minha defesa de mestrado, eu me senti com a competência profissional para ser mestre em comunicação de uma forma que eu nunca senti sobre ser jornalista, e por isso eu digo que minha profissão é professora, e não jornalista, porque isso é o que é realmente importante para mim, é o que compõe minha identidade profissional.

E hoje eu ensino pessoas a serem jornalistas – isso é quase um fato irônico.

Uma ironia que seria muito amarga se eu não tivesse feito a opção de lecionar muito mais sobre como lidar com a informação e os recursos de mídias que temos hoje, que é o que me atrai na comunicação, do que sobre jornalismo em si. Eu dou aulas sobre como as pessoas se apropriam e manipulam informação independente de moderações ou disponibilidade de recursos oficiais e tento ensinar os novos profissionais a lidarem justamente com as vulnerabilidades que isso significa para a profissão que se julga com um controle grande demais sobre conteúdo e público.

Eu fiquei fascinada e com um orgulho muito imenso da forma dos usos das tecnologias, das ferramentas midiáticas e do fluxo de informações que está sendo feita durante as manifestações aqui no Brasil.

Eu sou militante nas causas relacionadas à luta por direitos de gênero e sexualidade e, quase como consequência da minha profissão, à democratização da informação. Nunca fui a uma passeata na vida, por motivos pessoais, mas acredito que o trabalho que eu faço no dia a dia de conscientização sobre esses assuntos não seja menos importante do que sair às ruas. Isso é, inclusive, algo que eu espero como consequência das manifestações que estão acontecendo agora: que essas milhões de pessoas que “acordaram” e se engajaram em um movimento lindo e assustadoramente poderoso, mas momentâneo, incorporem essas ideias, insatisfações e vontade de mudança em suas ações, em seus trabalhos, seus votos, suas formas de lidar com o que é o Brasil hoje e todas as pessoas que compõem a nossa sociedade na mesma luta diária.

Esse é, na verdade, o resultado que eu almejo nesse movimento, meu motivo de orgulho por ele, e a razão, por exemplo, de eu ter ficado ontem praticamente o dia todo, durante horas seguidas, articulando informações, repassando material e utilizando minhas redes sociais pessoais para dar orientação e suporte aos manifestantes e levar ao restante da sociedade informações sobre o que estava acontecendo nas ruas.

O que é, veja só, a aplicação das minhas habilidades de jornalista de selecionar, editar e redirecionar informação. Foi a minha contribuição profissional com essa luta e o que eu vou continuar fazendo diariamente com ou sem gente tomando o congresso, porque é também parte do que me faz como cidadã. Eu acredito que direitos e deveres caminham juntos e, se eu estou reivindicando meus direitos de expressar minha indignação contra o estado atual da sociedade, eu tenho o dever o dever de cumprir meu papel social segundo aquilo que eu vejo ser a solução.

E meus caros amigos – colegas, professores, ninjas, anonymous, mobilizados, espectadores – eu estou com uma profunda vergonha da imprensa brasileira.

Eu não vou aqui discutir motivos e soluções para a forma como a imprensa – a grande e a pequena imprensa, marrom, vermelha ou verde – agiu durante as manifestações. Eu me cansei de toda essa discussão ainda enquanto eu estava na faculdade e eu entendo todo esse mecanismo e já demonstrei minha desaprovação acima. E eu não estou falando aqui de você que estava na manifestação e fez a informação correr pelo mundo de forma autônoma utilizando recursos profissionais por ser da área, como eu fiz, não, eu estou falando de qualquer veículo que se propôs a fazer a cobertura oficial (ou oficialesca) das manifestações, da Globo a sites pequenos que pipocaram por causa do que aconteceu nos últimos dias.

Há muito tempo, eu abri mão da grande imprensa, da Veja à Piauí, porque eu simplesmente não conseguia confiar mais em nenhum veículo grande de comunicação. Ter como principal fonte de informação o twitter sem fontes oficiais tem suas desvantagens, claro, mas isso aguça um exercício de crítica e reflexão que a mídia nos deixa preguiçosos quanto a ter, e eu acredito que eu posso viver com isso e sou mais feliz assim. Por isso, eu não me importei com o que o Jabor disse, e muito menos com a retratação dele, e eu acredito que não se importar com o que ele fala seja a postura mais aconselhável às pessoas em geral e isso pode ser aplicável a tantos outros comunicadores. O que eles dizem é importante porque as pessoas ouvem e dão importância ao que eles dizem. Essa é a fonte da arrogância jornalística. Eu aprendi com o tempo a ouvir as pessoas e acho que elas deveriam se ouvir mais também. Tem muita gente mais digna de ser ouvida nas ruas do que o Jabor no Jornal Nacional.

E agora estou vendo as pessoas comentando que a mídia brasileira finalmente acordou, que está havendo uma revisão da agenda e um redirecionamento de posições e objetivos e formas de cobertura e oh que legal. Só que não. O que eu vejo é uma mídia que, como o governo e a polícia, não sabe o que fazer com tudo o que está acontecendo. O que há de comum nessas três instâncias é que nenhuma delas está habituada ao público como agente.

A mídia não sabe o que fazer com um público que produz e articula sua própria informação, com um público que se apodera, manipula e questiona a informação oficial. Ela não sabe o que fazer com o fato de que ela precisa, uma vez mais, depois de tanto tempo, fazer algo concreto para ter crédito, para ser ouvida, uma vez que há tantas outras vozes.

E dou aulas sobre isso, o que indica que eu valorizo a necessidade social de um profissional de comunicação capacitado, mas me recuso a valorizar o diploma de um profissional que, nesse contexto, ainda se vê como o portal oficial da verdade sobre os acontecimentos e aquele que revela à nação o direcionamento dos fatos. E muito menos vou parabenizar uma imprensa que mal faz o seu trabalho.

Observação: o portal de imprensa oficial de que tirei mais informações durante as manifestações foi o portal do Terra, porque foi o que deu uma cobertura mais completa e menos tendenciosa sobre as manifestações, mas ainda assim não o ideal.

Fonte da fotopeguei no google, de um blog sobre uma manifestação no Equador a respeito de jornalistas exilados. A foto é somente representativa, no caso desse post.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Ficção e sexismo




Eu estava aqui, conversando com a moça que limpa a minha casa, e ela me contou que a filha dela de 15 anos está grávida e que ela vai fazer a guria abortar. Ela mesma tem quatro filhos, o primeiro nasceu quando ela tinha 13 anos, e ela me contou longamente tudo o que ela perdeu na vida por conta disso. Nós falamos um pouco sobre a lei sobre o aborto e liberdades e responsabilidades de homens e mulheres no caso de uma gravidez inesperada. Minha empregada estudou somente até a segunda série, mas pelo que eu conversei com ela, ela tem condições de instruir a filha sobre anticoncepcionais agora. É uma pena que essa conversa só vai acontecer depois da primeira gravidez indesejada.

Isso tudo me fez lembrar de uma conversa que NÃO aconteceu nesse fim de semana com meus primos, o Flavio, o Gustav e a Taynara, e a Marcela, minha irmã. Não aconteceu em parte porque era páscoa e estávamos todos amortecidos de excesso de chocolate jogando tranca, em parte porque eu já tinha passado por discussões intermináveis sobre televisão e religião nos últimos dias e não quis me jogar em mais uma. Mas acho ela muito válida para deixar passar, inclusive por ser com pessoas de quem eu gosto e respeito muito, mas nunca conversei muito sobre “assuntos sérios”.

Eu não sou feminista. Não tenho engajamento no movimento ou leitura o suficiente sobre o tema para me permitir dizer que sou. Mas eu sou mulher e tem coisas demais na sociedade que me incomodam para que eu simplesmente ignore e releve a importância do feminismo e o sexismo por que todos nós (homens e mulheres) passamos no dia a dia.

A conversa que não aconteceu começou porque eu comentei que parei de assistir The Big Bang Theory devido ao machismo e o Flávio tentou argumentar por que então eu gosto tanto de Avengers. Eu senti que eu tinha TANTA coisa para dizer sobre isso, que simplesmente suspirei e comi mais um pedaço de chocolate em vez de falar, mas não quero deixar passar, mesmo que esse venha se tornando um tema frequente aqui no blog, e transformar ele em um blog feminista nunca foi minha intensão.

Eu adoro The Big Bang Theory. Fiquei fascinada no começo por ser uma série sobre nerds e acadêmicos, que tem muitas piadas muito boas e personagens adoráveis (todo amor do mundo pro Sheldon). Mas tanto acho que o plot da série se perdeu em algum momento (ela deixou de ser uma série legal sobre nerds e acadêmicos para ser uma série que se foca mais em desmerecer essas culturas, mas não vou entrar nesse funil porque não é esse o foco aqui e não foi isso que me fez parar de assistir) quanto acho que, já há algumas temporadas, as mulheres estão muito mal representadas na série.

A série tem mulheres, e não há nada nela que diga que se espera que seja assistida majoritariamente por homens, especialmente considerando que a população nerd e acadêmica feminina tem crescido e se mostrado nas mídias entusiasticamente. Eu, como mestra e viciada em livros, filmes e séries, me encontro exatamente como uma representante dessa mulher-nerd-acadêmica que eu NÃO vejo na série.

Eu gosto muito da Penny, mas a convivência da Penny com as outras personagens femininas me fez ficar incomodada, primeiro, com a impossibilidade de haver uma personagem que seja inteligente e bonita/feminina na série. Adoro o episódio em que a Penny se vicia em Dungeons & Dragons e detesto a forma como ela não consegue simplesmente conciliar isso com pentear o cabelo, por exemplo. É como se fosse impossível ser nerd/inteligente e feminina ao mesmo tempo.

Outro ponto com a Penny, relacionado a isso, que me incomodou muito na última temporada foi o episódio quando ela decide voltar a estudar e o Leonard não consegue acreditar na capacidade dela. Eu gostei da postura dela quanto a isso, mas eu não esperava essa descrença do Leonard (não da forma enraizada e interventora que ele demonstrou) e não gostei da forma como o subplot meio que morreu em panos quentes também.

A personagem da Bernadete também me incomodou. Ela surge na série como uma companheira de trabalho da Penny, e então ela é especialista em microbiologia que trabalha em uma universidade. Eu lembro vagamente que houve uma explicação muito rápida para isso, algo como ela precisar de dinheiro ou semelhantes, mas o fato dessa mudança coincidir com o envolvimento dela com o Howard me incomodou MUITO. Porque ele, desde o começo, é um personagem que tem a figura da mulher muito estereotipada, seja ela reforçada pelo conquistador meio patético que ele era no começo, seja na relação dele com a mãe, mas acredito que isso faça parte da construção do personagem dele. Agora nada justifica a hipergraduação instantânea do par romântico dele.

Agora acho que a personagem que MAIS me incomodou na série toda foi a secretária do Sheldon (que eu não consigo lembrar o nome, sorry). O Sheldon tem uma concepção de mulher infantilizada e naturalista, de forma que, para ele, as mulheres são comandadas por seus hormônios, sejam maternais, sejam sexuais. Não concordo, mas, novamente, entendo como uma característica da construção da personagem, é coerente com quem ele é pensar assim. Mas tem um episódio em que esse pensamento se torna tão extremo que É abusivo. E por mais que seja compreensível de onde veio o abuso, HÁ o abuso, e a secretária dele (uma relação profissional, veja bem) é o alvo desse abuso, ela tenta confrontá-lo e, sem mudança de comportamento, vai até instâncias superiores da faculdade e denuncia ele.

E nada acontece.

Eu não me lembro em detalhes o desenrolar do episódio, mas o abuso se torna algo tolerado em que o Sheldon não sofre nenhum tipo de punição efetiva e tampouco muda o seu comportamento ou pensamento. E ela continua trabalhando com ele. Nas mesmas condições. Nesse caso não foi só uma questão de construção de personagem ou enredo que me incomodou, eu senti que algo na produção série, na criação de todo esse universo, despreza a valorização da figura feminina, e isso me fez parar de ver a série.

Há ainda a personagem que surgiu agora para ser par do Raj (que eu amo por ser tão obviamente gay, mas nem tenho esperanças que a série vá para esse lado da força), que, quando eu a vi, quase dei pulinhos de felicidade na cadeira porque OMG FINALMENTE UMA MENINA NERD NA SÉRIE (sim, seria a primeira, todas as outras personagens femininas da série DESPREZAM a cultura nerd, o que eu acho muito incoerente com a coisa toda e é parte dos fatores que eu não me sinto representada pela série). Mas, não, ela não é nerd, por enquanto ela só parece ser extremamente tímida e meio socialmente deslocada, mas nenhum surto de fangirl ou debate com o Sheldon sobre Doctor Who ou Star Wars pela frente.

Eu parei de assistir no episódio 6x18 The Contractual Obligation Implementation em que, além de desprezar as mulheres inteligentes que são também bonitas e as mulheres nerds, a série decidiu subestimar as mulheres cientistas e, bem, eu dediquei os últimos sete anos da minha vida ao estudo acadêmico (especificamente ao estudo acadêmico de produção ficcional pop o que, veja só, é o caso dessa série), eu tenho todo o direito de me indignar com a forma como a intelectualidade feminina foi retratada nesse episódio em que mulheres se mostraram incapazes de se comprometer com a ciência.

É isso o que eu tenho a dizer sobre The Big Bang Theory. E nem o Sheldon e suas adoráveis obsessões me fazem voltar a assistir, porque mesmo que a série mude completamente, a merda já está feita.

Agora, o Flávio mencionou Avengers como contraponto, então, não, esse post gigante não acabou.

Eu não quis me aprofundar no momento, mas, pelo que eu entendi, quando eu disse “Parei de assistir TBBT porque está machista demais” e ele me respondeu “Mas e Os Vingadores?” o que eu entendi dessa pergunta é “Mas então por que você continua gostando de Os Vingadores se é tão machista quanto?”, apesar dessa interpretação ter sido minha, me corrija se eu estiver errada.

Para começar, eu não acho uma comparação justa, porque são universos absurdamente diferentes o de TBBT e o de Avengers, sem falar que são mídias e formas de distribuição diferentes e o universo de Avengers é um saco sem fundo de informações que eu estou longe de dominar, mas vou me focar nos filmes recentes, então (O incrível Hulk, Capitão América, Iron Man I e II, Thor e Avengers).

Eu não considero Avengers machista. Não há nenhum elemento nesse universo que me incomode com relação ao sexismo. Óbvio que não é uma obra de ficção feminista em que apresente uma sociedade ideal de igualdade entre sexos, em nenhum momento esse universo tem essa pretensão.

Por outro lado, eu gosto bastante da forma como as mulheres são representadas dentro de todas as narrativas.

Thor é um personagem extremamente másculo, mas não é machista, mesmo que ele tivesse toda a justificativa possível dada pelo tradicionalismo e pela cultura nórdica milenar, do qual ele origina, para ser. Ele não é, e isso não é incoerente, pois há elementos dentro da própria cultura de origem dele que embasam ele não ser.

Ele é o par romântico de uma cientista muito inteligente E BONITA que tem seu trabalho reconhecido pelas esferas mais altas do governo, e tem como assistente a Nancy, que é uma nerdinha adorável. Além disso, eu gosto particularmente de um diálogo que ele tem com a Lady Sif (e eu nem curto a Lady Sif como personagem e acho a atriz que interpreta ela péssima) ainda no começo do filme, em que ele está tentando convencer os Guerreiros de Asgard a irem para a batalha com ele mostrando o quanto eles já lutaram juntos e ele vira para ela e pergunta quem foi o responsável por ela, como mulher, ser reconhecida por suas habilidades como guerreira e ela responde “Eu!” e ele reforça que sempre apoiou ela. Isso nunca ocorreria em um universo machista.

O mesmo reconhecimento pela mulher cientista e atraente ocorre em Hulk. E quando eu digo cientista e atraente não é buscando a imagem da enfermeira sexy sentada em uma bancada de laboratório ou o estereótipo de que toda mulher precisa estar dentro do padrão de beleza em todos os momentos da vida para convívio em sociedade, mas sim o fato de que você ser uma cientista não anula o fato de que você pode ter interesse por moda e saber se maquiar e pentear o cabelo, por exemplo. Betty Ross é uma mulher comum, que se veste bem, dirige um carro e tem um namorado, e é física nuclear.

E o próprio Bruce é um personagem que não se impõe como machista em nenhum momento até porque ele quebra com o estereótipo do que é ser um homem másculo ao se configurar como alguém fisicamente frágil e psicologicamente instável. O Hulk pode ser um brutamontes, mas não é sexista.

Em Capitão América você tem a personagem da Peggy, que é adorável. O fato de uma mulher se impor na década de 40 como uma oficial do exército ao mesmo tempo que é romantizada no filme, não é uma situação inusitada, afinal, havia a guerra, o movimento feminista existia e haviam mulheres no exército nos mais diversos países. Mas eu gosto particularmente da forma como ela e o Steve se envolvem, em que, novamente, você não tem um personagem extremamente másculo (apesar da transformação física, ele continua sendo um homem delicado, e a interação entre os dois é profunda justamente por ter começado antes da transformação. Sem falar que eu vejo muito na luta dele contra o bulling o fato de que ele também sofria com o machismo por não corresponder ao padrão de homem da época) que atrai uma mulher forte por ambos se admirarem da forma como são.

Talvez o personagem mais machista do universo de Avengers seja Tony Stark – e preciso confessar que me dói muito isso porque ele é o personagem que eu mais amo em toda a série –, mas, assim como eu entendo o Howard e suas cantadas bizarras e o Sheldon e seu naturalismo, eu entendo o Tony e seu machismo. Faz parte da construção da personagem. Ele é um playboy que cresceu podendo comprar e possuir tudo o que desejasse em uma sociedade em que a mulher é colocada frequentemente como objeto, portanto, ele ver a mulher também como algo que ele possa adquirir e possuir seria natural.

Há duas cenas em que ele objetifica a mulher, ambas em Iron Man II. A primeira em que ele sai de um evento e encontra uma oficial de justiça encostada em um carro esportivo e ele pergunta para o Happy se a mulher vem com o carro e a segunda quando ele conhece a Natasha e quer contratar ela porque ela sabe latim e foi modelo de lingerie, duas habilidades não muito funcionais para o cargo de secretária pessoal. Nessa cena, a fala dele é justamente algo como “Eu quero ela, me dá!”, voltada para a Pepper, como uma criança mimada pedindo algo para os pais.

Eu tenho duas defesas para o comportamento do Tony. A primeira é que ele não consegue conquistar nenhuma dessas duas mulheres, o que é um fator que acaba não incentivando esse tipo de comportamento. A segunda é que, em nenhum momento dos dois filmes, ele USA mulheres. Apesar desses momentos em particular em que ele se refere a elas como objetos, você não tem cenas em Iron Man como você tem em Batman Begins, por exemplo, em que Bruce Wayne entra em um hotel com duas mulheres belíssimas e em nenhum momento demonstra nenhum interesse nelas além de enfeitar seu carro esportivo e utilizá-las como um acessório junto de seu terno caro. Tony Stark não faz isso. Ele aparece com mulheres belíssimas, mas ele FICA com elas, ele tem como objetivo a conquista e não necessariamente a exibição.

Talvez alguém possa dizer que o fato dele ser um conquistador compulsivo e ficar com mulheres que ele dispensa todo dia de manhã possa ser um comportamento machista. Eu discordo. Em momento algum ele obriga nenhuma a fazer o que não quer ou faz promessas de casamento e amor incondicional ou nada diferente de uma noite de sexo, e homens e mulheres fazendo o que bem entendem de suas vidas sexuais não é sexista em nenhum ponto. Sem falar que essa grande rotatividade de relacionamentos instáveis é justificada, mais uma vez, pela história e constituição da personagem.

E Tony tem um grande ponto a favor dele: Pepper Potts. Outra mulher forte em Avengers e que, diferente dos pares do Hulk, do Capitão América ou do Thor, é menos só um par romântico ou uma “mulher grande por trás de um grande homem”. Ela é a presidente das empresas – a líder escolhida pelo Tony para governar seu patrimônio e sua vida, não por ser mulher, mas por ser confiável e competente. Como é o caso de outra mulher em posição de comando também no universo de Avengers, que é a Maria Hill, que vem a se tornar comandante da Shield, segundo os quadrinhos, quando o Fury é afastado.

Por último, porque eu acho que é o exemplo mais evidente dentro desse universo e gosto muito dela, há a Viúva Negra. Uma mulher sedutora, feminina, inteligente, forte e letal. Eu adoro o fato dela ser humana e andar ao lado, como igual, não a homens, mas a um deus, um supersoldado, um cientista louco, um monstro mutante e um assassino profissional. Adoro como o Tony a subestima por ser uma mulher atraente e depois disso ele passa a temê-la e respeitá-la (aliás, eu adoro como o Tony, na verdade, é o mais frágil e o mais humano dos Avengers, mas isso é conversa para um outro post). Adoro como ela é consciente do ser mulher e como ela lida com isso, de forma que, ao mesmo tempo que é algo essencial na definição dela, não parece algo evidenciado.

E eu preciso comentar que o comportamento do cast dos filmes quando eles eram entrevistados e faziam perguntas idiotas para a Scarlett Johansson porque ela era a mulher do time também me faz gostar mais deles.

Eu gosto muito do universo de Avengers não só por isso, mas certamente a forma como as mulheres são retratadas me faz continuar gostando, assim como me fez desgostar de The big bang theory, a ponto de eu me sentir levemente ofendida quando meu primo comparou os dois com relação o sexismo, e por isso esse post existe.

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